Nota sobre:
Saúva cabeça de vidro
(Atta laevigata) e Saúva limão (Atta sexdens rubropilosa).
Saúva cabeça de vidro (Atta laevigata)
A
saúva Atta laevigata constitui uma
séria praga em sistemas agrícolas e florestais. Ocorre em todo o país. Os
ninhos são grandes e formados por várias câmaras. São insetos sociais, com
várias castas.
Danos: Os prejuízos causados pelas
formigas cortadeiras são consideráveis. Atacam quase todas as culturas,
cortando folhas e ramos tenros, podendo destruir completamente as plantas. As
formigas operárias causam grande desfolha principalmente em plantas jovens, sendo
consideradas pragas secundárias em culturas estabelecidas. Em áreas de
reflorestamento e pomares recém implantados, causam grandes danos, bem como em
viveiros de mudas.
Controle: Pode-se fazer arações profundas
nas panelas e a eliminação de plantas (gramíneas) nativas, pois as formigas as
usam para a criação do fungo que sustenta a colônia. O controle químico deve
ser dirigido, visando a eliminação da rainha. Podem ser usados formicidas
liquefeitos, iscas granuladas, pó ou através de termo nebulização. A isca
granulada dispensa o uso de aplicadores, já que as próprias formigas as
carregam para o ninho.
Saúva limão (Atta sexdens rubropilosa)
A Saúva e o
nascimento do sauveiro.
Os insetos são o
maior grupo de animais da Terra. Com quase 800.000 espécies conhecidas pela
ciência e talvez com um número real de alguns milhões de espécies ainda por
serem descritas, são mais numerosos que todos os outros grupos de seres vivos
juntos!
Com mais de 100.000 espécies, os himenópteros são um dos maiores grupos
de insetos. Abrangendo abelhas, vespas e formigas, este grupo possui espécies
com uma fascinante organização social. A ordem, cooperação e eficiência do
trabalho das formigas são tão famosos que até contos de fadas já retrataram
isso com admiração.
Com tantas espécies assim, era de se imaginar que algumas fossem
incluídas pelo homem como nocivas a suas atividades. Assim é com uma formiga
muito especial, a saúva.
Mas como é organizada uma colônia de formigas? É comum as pessoas se
lembrarem de pelo menos uma coisa: há três tipos de formigas em um formigueiro,
que são a rainha, as operárias e os soldados.
A rainha é a maior formiga da colônia. Só faz outras atividades quando
é jovem e está fundando sua colônia, pois quando madura se dedica
exclusivamente a pôr ovos.
As operárias se subdividem em diversas funções. Há muitos tamanhos de
operárias, conforme a atividade que exercem. Importante lembrar que, entre os
insetos, tamanho não tem nada a ver com idade. Todas as formigas que vemos são
adultas e estão com seu tamanho máximo, e suas diferenças se devem à
alimentação que receberam durante a fase de larva.
Dentre as saúvas operárias há as que são cortadeiras, coletoras de
folhas, transportadoras de alimentos no interior do formigueiro, escavadoras de
túneis, lixeiras, auxiliares da rainha, babás de ovos e de larvas,
“agricultoras” e “construtoras” das plantações de fungo e vigias.
Os soldados são formigas com a cabeça e as mandíbulas enormes. São
encarregadas de proteger todo o ninho, e também as operárias que trabalham fora
da colônia na coleta de folhas. Apenas raramente fazem o transporte de alimento
ou larvas, quando o sauveiro está sob ameaça. Os soldados de saúva estão entre
as mais fortes formigas.
Mas, além destas,
começam a surgir em certas épocas do ano, quando a colônia de saúvas já se
estabeleceu e tem por volta de três anos de idade, os indivíduos reprodutores,
isto é, “rainhas” jovens (chamadas de “Içás” ou “Tanajuras”) e “reis” (os
“Bitus”), machos que vivem apenas as horas necessárias para fertilizarem as
fêmeas. Estas são as únicas formigas que possuem asas, e somente para um único
vôo: a REVOADA.
Na primavera, quase que ao mesmo tempo, as colônias liberam milhares de
içás e bitus para fora. É a revoada, ou vôo nupcial. De alguns sauveiros podem
sair 45.000 bitus e 6.000 içás! Os bitus têm pouco tempo de vida para encontrar
as içás. E estas já saem para a revoada levando uma “muda” do fungo que servirá
para começar a plantação subterrânea das saúvas (veja em “A casa da saúva, sua
alimentação e importância econômica”).
Se todas as içás, após fecundadas, conseguissem formar um novo
sauveiro, a Terra seria dominada por formigas em poucos anos. Mas calcula-se
que, com sorte, somente 0,05% das içás tem sucesso (como se, de cada 2.000 içás
levantando vôo, só uma conseguisse criar um sauveiro maduro a ponto de fazer novas
revoadas!).
Ninguém sabe exatamente como os diferentes sauveiros sincronizam as
revoadas, mas sabe-se quê: com muitas
formigas voando ao mesmo tempo, os predadores não conseguem eliminar todas
antes de ficarem empanturrados de formigas, e também há uma chance maior de
içás e bitus de sauveiros diferentes se acasalarem, aumentando assim a
variedade genética das saúvas.
E tudo se reinicia. Sozinha, a içá fecundada cava um buraco onde ficará
para o resto de sua longa vida, o início da nova colônia, que só terá suas
primeiras operárias depois de muitos dias. Só depois de 4 meses a primeira
operária da colônia porá sua cabeça para fora da terra, outros tantos para que
surjam soldados, e até anos para chegar a um tamanho facilmente observável para
uma pessoa.
O sauveiro só acaba naturalmente quando sua rainha morre, mas isso só
acontece após muito tempo. Algumas podem viver mais de 15 anos! Nenhuma outra
rainha jovem ou operária pode substituí-la, ao contrário das abelhas. Mas mesmo
depois da morte da reprodutora, o sauveiro pode sobreviver por meses. As
revoadas dos anos anteriores terão sido herança desta rainha.
A casa da saúva,
sua alimentação e importância econômica.
A
saúva é uma formiga cortadeira, isto é, que corta folhas, cascas de frutos e
outras partes de plantas encontradas para levar ao formigueiro. Mas esta não é
sua fonte de alimentação. As saúvas usam todas estas folhas picadas como adubo
para cultivar seu único alimento, um fungo (bolor) que cresce na matéria
vegetal em decomposição.
Todo o
sauveiro tem como objetivo permitir o desenvolvimento de novas formigas,
inclusive para as revoadas, e cultivar o fungo. Como uma cidade, possui
departamentos de trabalho divididos e operárias “especializadas” para cada
atividade.
O
sauveiro fica todo debaixo do solo. Apenas os sauveiros completamente
desenvolvidos deixam aparecer um monte de terra solta, o “murundu”, em sua
entrada principal. É a terra retirada para fazer os túneis subterrâneos onde as
saúvas se locomovem e vivem.
Ao
redor da entrada principal, por uma extensão que pode variar de alguns poucos
metros para quase um quilometro, estão os “olheiros”, saídas secundárias dos
túneis em direção às plantas que podem ser cortadas pelas saúvas. Um sauveiro
pode ter mais de mil olheiros.
Muitos agricultores gastam inutilmente
inseticidas nestes olheiros, se esquecendo que o murundu é o centro da colônia,
e sob ele estão as suas partes principais: as “Panelas”, que se espalham por
mais ou menos 60 m2
ao seu redor.
As
panelas são espaços ocos onde as saúvas têm plantações de fungo, lixeiras,
berçários etc. Cerca de meio metro abaixo do murundu de um sauveiro jovem,
podemos encontrar uma panela principal. Nos sauveiros já maduros, não há uma de
tamanho diferenciado que possa ser chamada de panela principal, e algumas podem
estar a mais de 1,5
metros de profundidade. Em geral, as mais profundas e
distantes do murundu são as lixeiras e são de todos os tamanhos. Em algumas,
mal conseguiríamos colocar nossa mão, já em outras, podemos colocar um barril
com folga. Algumas são encontradas vazias, prontas para receber plantações ou
berçários para ovos, larvas ou pupas.
A
partir das panelas saem túneis, alguns com centenas de metros de comprimento, que
mantém as operárias protegidas pela maior parte de seu trajeto até as plantas
de onde retiram as folhas. .A rainha fica em uma das panelas centrais, e está
sempre cercada de centenas de operárias dedicadas a alimentá-la, limpá-la e
recolher seus ovos para levar aos berçários. Conforme a necessidade da colônia,
os ovos recebem diferentes cuidados até o estágio de pupa para que se tornem
operárias ou soldados.
As
“plantações” de fungo recebem as folhas trazidas pelas operárias
transportadoras, enquanto as saúvas agricultoras têm como função mascar e
arrumar os restos vegetais em estruturas semelhantes a “esponjas”, onde os
fungos desenvolvem-se. Na colônia existem também as saúvas que agem como
“garçons”, que alimentam com esses fungos os soldados, a rainha ou outras
operárias que estejam ocupadas.
Aquilo
que não é aproveitado, assim como dejetos e formigas mortas, é levado para a
panela de lixo. Ali, vivem vários outros animais, como lagartixas, aranhas e
besouros, que se aproveitam do lixo das formigas para obter alimento. Quando
cheia, uma lixeira pode ser fechada e abandonada. Há ainda panelas para terra,
já que nem sempre é possível levar para fora o material dos túneis.
Um
sauveiro completamente desenvolvido pode conter mais de 4 milhões de insetos!
Assim, a quantidade de folhas que necessitam para manterem-se é enorme. Sem
inimigos naturais (como cobras-cegas, tamanduás, tatus, aranhas, besouros
caçadores, aves e lagartos) e com disponibilidade de plantas frágeis ou em
condições de estresse fisiológico, como as que são encontradas nas plantações,
as saúvas multiplicam-se enormemente, e fazem grandes estragos em culturas como
as do café, cana-de-açúcar, capim, milho, eucalipto e outras tantas.
Por
causa disto, as cerca de dez espécies de saúvas brasileiras são vistas como
“pragas indestrutíveis” por muitos agricultores até hoje. Uma frase de um
famoso cientista, Auguste de Saint-Hilaire, virou até ditado popular: “Ou o
Brasil acaba com a saúva, ou a saúda acaba com o Brasil”. A frase foi repetida
por personalidades como Rui Barbosa ou a personagem “Macunaíma”, de Mário de
Andrade, que acrescentou que “pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil
são”. Acrescenta-se que a picada da saúva é muito dolorida.
Tal
perseguição fez com que uma das espécies, a saúva-preta (Atta robusta) das
restingas do Espírito Santo e Rio de Janeiro, ficasse ameaçada de extinção!
As
saúvas preferem as plantas de solos pobres ou sem ecossistema desenvolvido,
agredidas por poluição, ferimentos, doenças ou outros fatores ou ainda de mudas
ainda fracas ou grandes árvores em decadência. Assim , ela mantém o equilíbrio
natural, não se proliferando em demasia em condições ambientais perfeitas, mas
também se tornando parte do desequilíbrio quando a vegetação ao seu redor
encontra-se sob condições insatisfatórias.
O
controle da saúva foi e é alvo de muitos pesquisadores. Alguns, defendem o uso
de mais e mais inseticidas, outros, buscam produtos que não façam mal senão às
saúvas. Há uma busca por soluções que envolvam não apenas as plantas cultivadas,
mas também plantas repelentes de insetos e os inimigos naturais da saúva.
Hoje
em dia, a visão que temos dos sistemas naturais e da ciência da ecologia,
avançou muito. Temos como desafio encontrar o ponto de equilíbrio entre nossas
necessidades e as necessidades da fauna e da flora que nos cercam. E a saúva
também faz parte desse equilíbrio. Podemos aprender com elas, usar seus dotes
no controle de plantas daninhas e invasoras além da recuperação do solo
desgastado pela agricultura, com suas panelas de lixo e túneis.
Se
a saúva não acabou com o Brasil, também os brasileiros não podem fazê-lo na
tentativa de acabar com a saúva.
O sauveiro (artificial)-
cuidados e visitas
O
sauveiro nasce de uma rainha já fecundada, capturada depois de uma revoada na
natureza. Apesar de simples na aparência, o lar das formigas tem seu ambiente
interno rigidamente controlado por elas, com túneis de “ar-condicionado”;
manutenção de umidade, serviço de limpeza e reforma das passagens, dentre
outros. E tudo isso é feito pela rainha sozinha, antes da formação do sauveiro.
Sem os menores fatores funcionando perfeitamente de acordo com sua natureza, o
formigueiro pode entrar em decadência, matando todas as suas integrantes
rapidamente.
Imitar
as condições que as saúvas conseguem criar dentro de seus ninhos, em uma série
de potes de vidro, é o maior desafio para a manutenção adequada das formigas
mostradas ao público que visita o SAUVEIRO.
Em
cativeiro, as panelas são substituídas por grandes potes de vidro, que são
divididos, como na natureza, por função. Há potes onde são colocadas as folhas
que serão cortadas e levadas pelas formigas para um outro tipo de pote, em que
são cultivados os fungos e ficam os “berçários” das formigas, e enfim há
aqueles que servem como lixeira.
Todas
estas “panelas artificiais” são interligadas por um conjunto de tubos de vidro
e telas metálicas, que permitem a visualização das atividades entre as panelas
e ao mesmo tempo, auxiliam na ventilação interna do sauveiro. Observando bem, é
possível identificar os diversos tipos de operárias cumprindo cada uma sua
função específica, as saúvas “soldado” fazendo a vigilância, e às vezes até
mesmo a rainha atravessando de uma panela para outra, a fim de encontrar novos
lugares para continuar a postura de seus ovos.
As
telas metálicas precisam ser substituídas periodicamente, pois os dejetos das
formigas são corrosivos e após algum tempo começam a danificar a malha de metal
fina. Se não for feita a troca, algumas formigas podem escapar e prejudicar a
organização da colônia.
Duas
vezes ao dia são colocadas folhas novas para o corte e formação de “plantações”
de fungo no interior das panelas. Plantas como a pata-de-vaca (Bauhinia
variegata), o hibisco (Hibiscus spp.), a alcalifa (Providencia alcalifa), o
alfeneiro (Ligustrum spp.), a rosa (Rosa spp.) e algumas outras são utilizadas
para este fim.
As
plantas fornecem uma boa parte da umidade exigida pelas formigas, mas mesmo
assim é preciso fornecer complemento para que os níveis de vapor d’água fiquem
dentro do ideal para as saúvas - acima de 65% de umidade relativa do ar. Também
a temperatura é crucial: se baixar demais (abaixo de 19 graus centígrados), o
formigueiro começa a diminuir perigosamente sua atividade. Mas é ainda pior se
aumentar demais, já que acima de 25 graus, o comportamento das formigas pode se
alterar a ponto de inviabilizar a sobrevivência de toda a colônia! Lixo é
jogado nas plantações, fungos são plantados nos tubos de passagem, ovos são
jogados fora, panelas de plantação são abandonadas...
Manter
esses parâmetros é a principal dificuldade em manter um formigueiro artificial.
As visitas são rigorosamente controladas, com horário e quantidade máxima de
pessoas por sessão muito bem planejadas, para que não sejam abalados elementos
tão importantes para a vida das saúvas. Até a iluminação precisa ser
controlada, pois na natureza as formigas fazem todo o seu trabalho no escuro,
guiando-se pelos cheiros.
As panelas com fungos e as de folhas que compõem o sauveiro são limpas
pelas próprias formigas, mas é necessário que as panelas “lixeiras”, sejam
esvaziadas de vez em quando.
A água que se condensa no interior dos vidros também é seca
com panos diariamente, pois caso pingue sobre os fungos prejudicará seu
crescimento.
Como
não é possível usar produtos químicos no ambiente do sauveiro, são tomados
diversos cuidados para evitar a proliferação de ácaros, aranhas e outros
animais que poderiam trazer transtornos.
As
pesquisas mais atuais sobre saúvas produzidas por biólogos, institutos de
pesquisa agronômica e de entomologia (ciência que estuda os insetos) e
publicadas em livros e trabalhos científicos são consultadas, a fim de garantir
uma manutenção cada vez mais adequada e a exibição mais fiel de um sauveiro ao
público.
Ainda não é possível reproduzir, em cativeiro, as
condições exigidas para que aconteça uma revoada. Mas mesmo assim o sauveiro já
contribuiu com pesquisas de diversas instituições, com dados sobre o
desenvolvimento da colônia, o papel ecológico das formigas cortadeiras da
América do Sul, as substâncias medicinais existentes no fungo criado pelas
formigas, além de treinamento e formação de equipes de trabalho... mas
principalmente, ensinando a milhares de pessoas o universo destes animais
fantásticos.
Texto: Material de aula.
João Ângelo Cerignoni
- Técnico de Laboratório _ ESALQ/USP/Piracicaba
Grande Cerignoni!!!
ResponderExcluirObrigado pela visita mestre Norivaldo.
ResponderExcluir