Causa surpresa que tantos padrões possam ter sido gerados de forma independente
e tenham sido replicados em diferentes espécies.
Robert Reed, figure by Fabian de Kok-Mercado via The New York Times
Pesquisadores
analizam o DNA de borboletas perigosas que copiam outras espécies intragáveis
Talvez nenhum
lugar tenha atraído e inspirado mais naturalistas importantes que o Brasil.
Charles Darwin, em sua viagem épica no HMS Beagle, desembarcou pela primeira
vez na Bahia em 1832; dois outros ingleses, Alfred Russel Wallace e Henry
Walter Bates, chegaram ao Pará em 1848. Wallace percorreu a Amazônia por quatro
anos; o incansável Bates, por 11.
Em 1852, um naturalista chamado Fritz
Mueller aportou no país, vindo da Alemanha. Muito menos conhecido hoje,
Mueller, ao contrário de seus contemporâneos ingleses, mudou-se para o Brasil
com a esposa e o filho pequeno, e não tinha nenhuma intenção de voltar para a
Prússia. Um livre-pensador que se recusou a fazer o juramento a Deus –
obrigatório para obter a formação em Medicina –, Mueller trocou uma carreira
médica na Europa por uma cabana sobre um chão enlameado nos limites de uma área
de mata virgem na colônia de Blumenau, em Santa Catarina.
Embora Darwin e Wallace tenham vindo a
conceber a teoria da evolução pela seleção natural, ela veio a ser aceita em
grande parte graças a Bates e Mueller. Graças a eles, talvez nenhum grupo de
animais tenha contribuído tanto para o desenvolvimento inicial da ciência
evolutiva quanto as borboletas. Suas ideias continuam a inspirar naturalistas
hoje e levaram a surpreendentes novos insights sobre o modo como a evolução
funciona.
Os dois encontraram um Brasil repleto
de borboletas coloridas. Bates notou, entre suas coleções, determinadas
espécies cujos padrões brilhantes de asas se assemelhavam aos de outras famílias
de borboletas que viviam na área. Ao investigar por que uma espécie imitaria
outra, ele percebeu que as borboletas inofensivas estavam imitando espécies
nocivas que eram intragáveis para aves e lagartos, e, portanto, não eram
atacadas por predadores.
Apenas alguns anos depois de Darwin
publicar "A Origem das Espécies", Bates sugeriu que esse tipo de
mimetismo – agora chamado de "batesiano" – constituía uma prova
oportuna do princípio da seleção natural.
Bates era um colecionador de tempo
integral, mas Mueller, inicialmente, ocupou-se com preocupações mais básicas.
Durante os seus primeiros anos no Brasil, ele ganhou a vida como agricultor,
criando galinhas e porcos e caçando com armadilhas, enquanto enfrentava
inundações e se defendia de tribos indígenas hostis, onças e doenças tropicais.
Por ser a única pessoa na sua colônia que tinha formação médica, coube-lhe a
tarefa de atender os vizinhos que eram atingidos com flechas de 1,5 metro de comprimento.
À medida que sua família foi aumentando
– Mueller chegou a ter seis filhas –, ele se mudou para uma cidade costeira
para ensinar matemática, história natural e até mesmo um pouco de física e
química. Sua posição lhe possibilitou explorar atividades mais intelectuais, e
lá ele descobriu as novas teorias de Darwin.
"A Origem das Espécies"
transformou a compreensão que Mueller tinha da natureza de tal modo que ele se
inspirou a escrever o seu próprio livro, "Fur Darwin", que apresentou
fatos e argumentos em favor de sua teoria, incluindo as próprias observações de
Mueller sobre as plantas e animais brasileiros. Os dois iniciaram uma
correspondência entusiasmada e amigável que duraria 17 anos, até a morte de
Darwin. Darwin se referia a Mueller como o "príncipe dos
observadores", e embora eles nunca tenham se encontrado, Mueller
considerava Darwin um segundo pai.
A observação crucial de Mueller mudou a
forma como o mimetismo era visto. Ele percebeu que as borboletas intragáveis
também imitavam outras espécies de borboletas intragáveis na mesma área. Se
elas já eram intragáveis, ele se perguntou, qual seria a vantagem de imitar
outras espécies?
Ocorreu-lhe que as borboletas
intragáveis se beneficiariam por viver em grandes números: em algum momento, os
predadores ingênuos tomaram conhecimento da impalatabilidade das borboletas, e
as espécies que as mimetizavam dividiram o custo desse aprendizado, enquanto
que uma espécie intragável de padrão único teria de arcar com o custo total.
Ele mostrou, por meio de uma álgebra simples, que duas ou mais espécies
intragáveis se beneficiariam seguindo um padrão comum.
A seleção natural, assim, explicou por
que padrões de asas de diferentes espécies convergiam. Mas como esses padrões
de cores semelhantes, mas complexas, eram gerados por diferentes espécies? Essa
era uma questão muito mais difícil, tendo frustrado os cientistas há quase 150
anos – até que uma equipe internacional de pesquisadores revelou recentemente
segredos mais íntimos do mimetismo.
Os
exemplos mais notáveis e famosos do que ainda é chamado de "mimetismo
muelleriano" envolvem as borboletas Heliconius da América do Sul e Central. Em muitos
casos, os padrões das asas de espécies diferentes na mesma área são
notavelmente semelhantes. E o que é ainda mais notável é que cada espécie pode
apresentar vários padrões diferentes, específicos de determinadas áreas. Os
padrões das asas são tão semelhantes que é difícil até mesmo distinguir
espécies que vivem a uma pequena distância – e essa é a chave do problema.
Há duas maneiras fundamentalmente
diferentes pelas quais o mimetismo muelleriano pode ter evoluído: ou cada
espécie evoluiu de forma independente, em mutações que fizeram surgir padrões
de asas muito semelhantes, ou houve uma troca de genes de padronização entre as
espécies.
Vários genes que controlam a produção
dos padrões de asa já foram identificados, permitindo que os investigadores
distinguissem entre essas alternativas. A resposta? Ambos os mecanismos
desempenharam um papel.
Ao
analisar as sequências de DNA de duas espécies de Heliconius distribuídas pela América do Sul,
pesquisadores puderam identificar que cada espécie tinha evoluído de modo
independente para até 20 padrões diferentes que eram quase idênticos em cada
espécie. Contudo, em espécies intimamente relacionadas nas quais ocorria o
mimetismo, eles descobriram que tinha havido uma troca de genes que determinam
as cores.
Essas descobertas são igualmente
interessantes. É surpreendente que tantos padrões possam ter sido gerados de
forma independente e tenham sido replicados em diferentes espécies. E é
surpreendente que haja espécies trocando genes na Amazônia. Afinal, a
impossibilidade de procriar com os outros grupos foi por muito tempo
considerada como parte da definição operacional de espécie.
No entanto, à medida que investigamos
os genomas, continuamos a detectar evidências passadas de reprodução cruzada –
entre os tentilhões de Darwin, por exemplo, e até mesmo entre os neandertais e
nossa própria espécie, Homo sapiens. Mesmo que tais acasalamentos entre
espécies sejam raras, um gene que confere uma grande vantagem, como o do
mimetismo, pode se espalhar rapidamente pela população.
Uma das minhas observações favoritas a
respeito do progresso científico nos foi oferecida pelo físico Jean Baptiste
Perrin, ganhador do Prêmio Nobel, que disse que o segredo de qualquer avanço é
poder "explicar algo visível e complexo por algo invisível e
simples". Depois de ficar envolta por mistérios durante mais de um século,
a revelação dos genes invisíveis que geraram essa diversidade é um exemplo
primoroso dessa máxima.
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