quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Borboletas do Brasil


O encanto das borboletas brasileiras em mais de 4 mil fotos



Três livros totalizando 2.400 páginas expõem a diversidade biológica das borboletas Brasileiras, da famosa oitenta-e-oito às morfos azuis


HAROLDO CASTRO (TEXTO)
24/08/2017 - 08h01 - Atualizado 24/08/2017 13h26




A borboleta Arcas imperialis mede cerca de 3 centímetros e possui duas caudas finas, longas e curvas em cada asa, fotografada em Boa Esperança do Sul, São Paulo (Foto: © Antonio Candido de Almeida)


Minhas lembranças infantis, sobretudo as das férias em Teresópolis, estão repletas de histórias de borboletas. Quando tinha uns 10 anos de idade, meu pai me chamou no jardim para mostrar, embaixo de uma folha larga, dezenas de ovos que haviam sido depositados por uma borboleta. “Estes ovos vão eclodir e daqui a alguns dias essa planta estará cheia de lagartas”, disse Armando.

Dito e feito, uma semana depois, dezenas de lagartas verdes com pontinhos negros se amontoavam nas folhas. À medida que cresciam, as lagartas aumentavam seu apetite e devoravam com vigor quase todas as folhas da planta que tão generosamente havia hospedado os ovos.

Mais algumas semanas de férias se passaram até que Armando me convocou novamente para que eu acompanhasse o desenvolvimento das lagartas. Os bichos não só estavam imensos, como alguns pareciam querer se grudar embaixo das folhas mais robustas. “Veja esta lagarta, ela está se transformando em uma crisálida. De dentro dessa crisálida, vai nascer uma borboleta”, afirmou meu pai, tão fascinado pelo processo quanto eu.



Armando preparou três caixotes de madeira, colocou-os na vertical e cobriu a entrada com uma fina tela. Dentro do caixote, ele prendeu cuidadosamente pedaços dos galhos que continham as folhas com as crisálidas já bem seguras. “Vamos poder acompanhar mais facilmente a metamorfose”, disse ele.

Minhas visitas aos caixotes passaram a ser cotidianas. Algumas vezes, entre uma brincadeira e outra, eu parava para olhar as crisálidas, fascinado pelos pequenos movimentos esporádicos que aconteciam. Era a prova que o bicho lá dentro estava vivo. Em uma manhã ensolarada, quase no fim das férias de verão, Armando foi me buscar para o ato derradeiro. “Vimos os ovos, as lagartas crescendo, a crisálida se formando e agora você vai ver a primeira borboleta nascer.”

Não era uma borboleta espetacular, multicolorida. Pelo contrário, era uma borboleta banal, branquinha, de uns 6 centímetros. Depois que suas asas se abriram, coloquei mel com água no meu dedo indicador e convidei a borboleta a beber um pouco donéctar. Ela aceitou, subiu no meu dedo e, seguindo as instruções de Armando, retirei a mão lentamente de dentro da caixa. Um minuto se passou e logo a borboleta descobriu o céu azul, as flores coloridas do jardim e entendeu que estava livre para voar. Bateu as asas e se foi.

Acompanhar toda essa metamorfose do inseto – dos ovos ao voo – marcou minha vida para sempre. Nunca mais esqueci o nome em latim da bichinha, Ascia monuste, anunciado por Armando no momento em que ela desaparecia pelo jardim afora.




Ascia monuste, a borboleta símbolo da minha infância. Seu nome popular é borboleta-da-couve (Foto: © Haroldo Palo Jr/Vento Verde)


Meu pai colecionava de tudo: conchas, cafeteiras de esmalte, cartões-postais, selos, minerais, potes de farmácia e revistas National Geographic antigas. Assim, não poderia ele deixar de colecionar borboletas e besouros. Fazia isso de forma científica, como se fosse um entomologista, guardando poucos exemplares de cada espécie, em perfeito estado, e sempre com uma identificação completa: nome em latim, nome do pesquisador que identificou a espécie e ano da “descoberta”.


Mesmo se isso tudo aconteceu há muitas décadas, ainda me lembro bem das conversas que tínhamos sobre as estrelas de sua coleção. Uma das mais ilustres era a oitenta-e-oito, uma pequena borboleta que possui um desenho semelhante ao número 88 na parte inferior das asas. Existem mais de 50 espécies e subespécies no Brasil que têm em suas asas desenhos formados por minúsculas escamas coloridas que se assemelham aos números 88 e 80.


A famosa borboleta oitenta-e-oito (Diaethria eluina eluina) fotografada em Telêmaco Borba, Paraná (Foto: © Haroldo Palo Jr./Vento Verde)


Não tenho a menor dúvida que minha atual paixão pela naturezanasceu graças a esses ricos momentos de aprendizado durante minha infância. Meu pai adorava me ensinar de tudo. Mas uma de suas frustrações era encontrar livros e guias que pudessem ajudá-lo a identificar espécies e a catalogar os insetos que ele encontrava na Serra de Teresópolis. Não havia nenhuma publicação do gênero no Brasil dos anos 1960.

Pois, meio século mais tarde, surge o sonhado livro sobre borboletas que meu pai tanto queria em suas prateleiras. Aliás, não um livro, mas sim três volumes. Com um total de 2.400 páginas ilustradas com 4.150 fotografias, a obra Borboletas do Brasil, da Editora Vento Verde, lista as 4.586 espécies e subespécies que vivem em território brasileiro, 1.727 destas com imagens que facilitam a identificação.


Os três volumes da obra Borboletas do Brasil, uma enciclopédia sobre todas as espécies conhecidas em nosso território (Foto: Editora Vento Verde)


A assenta-pau ou estaladeira (Hamadryas amphinome amphinome)“assenta” nos troncos sempre de cabeça para baixo e escolhe superfícies que ajudam a camuflagem. 

Quando decola, ela provoca um chiado com as asas, o que deu origem ao nome “estaladeira”, fotografada em Ubajara, Ceará (Foto: © Antonio Pessoa)


Os três livros, uma ferramenta essencial para estudiosos e amantes de borboletas, são o resultado do trabalho de mais de dois anos do fotógrafo e engenheiro Haroldo Palo Jr. “Embora não haja números exatos que comprovem, o Brasil seria o país com maior diversidade de borboletas no planeta”, afirma Haroldo.


Para juntar tantas imagens, o editor Haroldo contou com o apoio de outros 80 fotógrafos especializados em borboletas. Dois deles, o inglês Andrew Neild e a americana Kim Garwood, por possuir longas trajetórias de pesquisa com lepidópteros na América Latina, contribuíram com as fotos das espécies mais difíceis, asamazônicas. Como ambos trabalham como guias de expedições fotográficas especializadas em borboletas, eles conseguiram, ao longo dos anos, criar um arquivo único. “Os dois foram os que contribuíram com mais imagens para o livro, cada um com cerca de 700 espécies diferentes, geralmente as mais desconhecidas”, diz o editor, que participou com fotos de 120 espécies.


Entre os brasileiros, o catarinense Ivo Kindel, agricultor e naturalista, apaixonado por observação e fotografia da natureza, em especial de aves e de borboletas, criou um blog em 2009 que conta com milhares de seguidores e é outro contribuinte principal do livro. O médico Antonio Carlos Fiorito Junior também foi fundamental para registrar as espécies da Mata Atlântica, especialmente em Teresópolis, Rio de Janeiro, e contribuiu com mais de 300 fotografias para o livro.


Uma das lembranças de minha infância é a malaquita (Siproeta stelenes meridionalis), uma borboleta que chega a 10 centímetros, fotografada em Teresópolis, Rio de Janeiro (Foto: © Antonio Carlos Fiorito Jr.)


Fêmea da borboleta Mesene epaphus epaphus, fotografada em Passo Manso,Taió, em Santa Catarina (Foto: © Ivo Kindel)


Esta Borboleta Panacea prola foi fotografada no Equador, mas também existe em território brasileiro (Foto: © Andrew Neild)


“O livro é o resultado do esforço conjunto de dezenas de pessoas que nunca planejaram esse resultado final”, afirma Haroldo. O editor considera que a obra só pode ser produzida devido à grandeinteratividade que existe hoje. “Sem a internet, seria impossível descobrir tanta gente interessada em borboletas há duas décadas e ter acesso tão rapidamente a dezenas de milhares de fotos.” O editor imprimiu uma única edição de 1.000 exemplares e assegura que, em um par de anos, os livros estarão esgotados.


Um casal de Arawacus separata se acasalando (Foto: © Leonel Baldoni)


A morfo azul ou capitão-do-mato (Morpho helenor achillides) é uma das borboletas mais icônicas do Brasil (Foto: © Haroldo Palo Jr/Vento Verde)


A Monarca-do-sul (Danaus erippus) pode chegar a 11 centímetros, mas não realiza a migração que sua prima Dannus plexippus faz entre os Estados Unidos e o México (Foto: © Haroldo Palo Jr./Vento Verde)


Serviço: Os três volumes do livro Borboletas do Brasil de Haroldo Palo Jr. (Editora Vento Verde) custam R$ 490 + frete R$ 38 (para todo o Brasil).

Parabéns Sr. 
Haroldo Palo Jr. pelo belo trabalho.

Fonte: http://epoca.globo.com/sociedade/viajologia/noticia/2017/08/o-encanto-das-borboletas-brasileiras-em-mais-de-quatro-mil-fotos.html


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