Ciência| Zoologia Cores ao vento
Genes e fósseis revelam origem da diversidade de borboletas sul-americanas
Maria Guimarães / Revista Pesquisa / FAPESP
Fotos Professor André Lucci Freitas / UNICAMP
Outra subfamília das ninfalídeas a se disseminar a partir dos Andes foi Acraeini, conforme artigo que Freitas e Karina publicaram em 2008 na Molecular Phylogenetics and Evolution. Os hábitos alimentares parecem estar intimamente ligados a essa diversificação a partir de borboletas africanas especializadas em se alimentar, durante a fase de lagarta, das folhas espinhudas e cheias de toxinas das urtigas. Os pesquisadores acreditam que a mesma capacidade de se adaptar às urtigas permitiu o surgimento de descendentes com preferência pela família dos girassóis e das margaridas, também ricas em compostos químicos tóxicos. Essas devoradoras de margaridas também existem na América do Sul, indicando que a subfamília chegou a este continente a partir das estabelecidas no Velho Mundo.
A história não para aí. Mais recentemente Freitas e Karina perceberam, em trabalho ainda não publicado, que o grupo das Acraeini surgiu na África há mais ou menos 30 milhões de anos. Mas, se nessa época o continente africano e o americano já estavam separados, como as borboletas passaram de um a outro? “Acreditamos que tenha sido pela Antártida”, conta ele. Naquele período, o continente polar meridional ainda não era congelado e abrigava uma rica vegetação. Só entre 23 milhões e 28 milhões de anos atrás a Antártida se separou dos outros continentes e passou a ser circundada por correntes oceânicas que causaram o congelamento, mas nessa época as Acraeini já tinham chegado ao Novo Mundo. Além do que revelam as análises genéticas, o pesquisador da Unicamp aponta mais um indício de que a teoria está correta: na América do Sul as borboletas desse grupo vivem em áreas frias, como a cordilheira dos Andes e zonas mais altas da serra do Mar, domínio da Mata Atlântica. Bem diferente das espécies africanas, especializadas em florestas tropicais e savanas. “Só chegaram por aqui as que resistiram ao frio.”
Viagens - Por causa dos fortes indícios de um berço africano para algumas ninfalídeas, até pouco tempo atrás acreditava-se que a subfamília Biblidinae, que tem cerca de 20 espécies na África e na Ásia e mais de 90 por aqui, tivesse surgido por lá e, por algum motivo, se diversificado mais do lado de cá do oceano Atlântico. “Mas não é isso que vemos”, contesta Freitas. Suas análises indicam que as biblidíneas surgiram na América do Sul e depois – há cerca de 30 milhões de anos e outra vez por volta de 25 milhões de anos atrás – invadiram a África, gerando novas linhagens. Nessa época a travessia pela Antártida já não era possível, o que deixa um mistério em aberto. “Talvez o trânsito intercontinental seja mais fácil do que se imaginava”, reflete, imaginando que borboletas adultas podem ser carregadas por ventos ou por jangadas naturais formadas por galhos, folhas, frutos ou, hoje, lixo. Não é impossível que façam essas longas travessias, afinal borboletas tropicais podem viver até 10 meses.
Se uma única família de borboletas tem tantas histórias para contar, é difícil imaginar o que reservam todas as 127 famílias desses insetos voadores, incluindo também as mariposas. Passeios por jardins e florestas brasileiras são uma amostra da imensa variedade de cores esplendorosas, ainda em grande parte inexplorada – segundo Freitas, no Brasil poucos pesquisadores se dedicam a entender como surgiu essa diversidade. Admirar esses insetos vestidos de festa está ao alcance de qualquer pessoa. Uma caminhada pelas trilhas da serra do Japi, uma reserva de Mata Atlântica próxima a Jundiaí, no interior paulista, promete deslumbramento. Sobretudo nos meses de março e abril.
> Artigos científicos
1. Wahlberg, N.
et al. Nymphalid butterflies diversify near demise at the Cretaceous/Terciary boundary.
Proceedings of the Royal Society, B. v. 276, n. 1.677, p. 4.295-302. 22 dez. 2009.
2. Elias, M.
et al. Out of the Andes: patterns of diversification in clearwing butterflies.
Molecular Ecology. v. 18, n. 8, p. 1.716-29. abr. 2009.
O PROJETO
Borboletas da Mata Atlântica: biogeografia e sistemática como ferramentas de conservação de biodiversidade - nº 2004/05269-9
Modalidade
Jovem Pesquisador
Coordenador
André Victor Lucci Freitas – Unicamp
Investimento
R$ 164.736,14
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