sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

SOBRE AS ENCHENTES

Prezados Colegas,

Feliz ano novo! de novo.

Segue um texto encaminhado pelo prof. Marcos Sorrentino e escrito pela economista Miriam Leitão, caso tenham tempo de ler, vale à pena.

um abraço e até breve,
João A.C.



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Precisamos voltar a carga em nossos protestos relacionados a Belo Monte e
ao Código Florestal. Neste momento de tragédia, não é possível que os
arautos do desenvolvimento (IN)sustentável, não tenham inteligência para
compreender que não dá para abrandar o Código e muito menos para fazer o
papel de ministra vendida do meio ambiente, dizendo sim a todas as
demandas desenvolvimentistas que querem aprovar Belo Monte, Nucleares e
muito mais, tratorando os técnicos que desejam fazer análises sérias sobre
os impactos ambientais desses empreendimentos.
Que a morte e o sofrimento de todo esse povo atingido pelas enchentes e
deslizamentos de morros não seja em vão!

Marcos.

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Miriam Leitão

O GLOBO - 13.01.2011

Questão de tempo

Chuvas despencam em volume espantoso sobre áreas do Sudeste, fazendo mais
de duas centenas de mortos só na Região Serrana do Rio. Na Austrália,
vive-se a maior enxurrada em 120 anos. O Ibama passa por mais uma crise -
a terceira - provocada pela exigência de licenciamento da hidrelétrica de
Belo Monte. Assuntos separados? Não, partes da mesma insensatez.

Os cientistas estão avisando há tempos que os fenômenos naturais, que
sempre estiveram conosco, como tempestades e secas, vão acontecer com mais
frequência e com mais intensidade. No ano passado, o caudaloso, abundante
e aparentemente infinito Rio Negro, na Amazônia, enfrentou uma seca que o
transfigurou. As imagens que chegavam de seu leito seco em algumas áreas
eram inacreditáveis para quem já o viu na cheia. Como outros rios
amazônicos, ele tem oscilações fortes de volume de água, mas o extremo a
que chegou na seca do ano passado foi impressionante. Anos atrás, uma seca
na Amazônia exibiu o solo da região mais úmida do Brasil rachada como se
fosse o Nordeste. É nessa região que o governo pretende construir a
maioria das 61 novas usinas hidrelétricas, que, segundo matéria publicada
no GLOBO, vão provocar o desmatamento de 5.300 km de florestas só nas
áreas dos reservatórios e das linhas de transmissão. Uma dessas usinas é a
mais emblemática e mais polêmica: a hidrelétrica de Belo Monte. Ontem, o
presidente do Ibama, Abelardo Bayma, pediu demissão alegando motivos
pessoais, mas a informação do Blog Político da "Época" é que ele saiu por
discordar da licença de Belo Monte. Já houve outros episódios de
desabamento no Ibama por causa da mesma hidrelétrica.

As cidades brasileiras não estão preparadas para o momento atual, o que
dirá do futuro que os climatologistas prenunciam e alertam. A arquiteta e
urbanista da Unicamp Andrea Ferraz Young me disse ontem que tudo foi feito
errado no passado na ocupação do espaço urbano:

- Nunca foi considerado o funcionamento do sistema de margens dos rios e
das várzeas, a vegetação foi suprimida sem planejamento. Toda a lógica das
bacias e microbacias foi ignorada. As margens dos rios que deveriam ter
matas ciliares foram cimentadas e concretadas. Os rios que serpenteavam
foram transformados em canais retos. As galerias foram mal dimensionadas.
O lixo obstrui tudo. Aí, quando vem a chuva, o solo não consegue absorver
a água, e aumenta o volume que cai nos canais, que eram rios. Por não ter
obstáculos, a água corre com mais velocidade e se transforma em enxurrada.

Ela acha que diante do aviso dos climatologistas de maior intensidade dos
eventos extremos, é preciso repensar seriamente o espaço urbano. Uma das
ideias mais óbvias e de mais difícil execução é a remoção de quem mora em
área de risco:

- É preciso criar dentro das cidades áreas verdes para que o solo possa
absorver a água, reduzindo o impacto da chuva, e, nas secas, elevar a
umidade dos centros urbanos.

Tudo parece simples e é adiado. Só que o país corre contra o tempo. A
Austrália parece um espelho avançado dos riscos que corremos com as
mudanças climáticas. Teve quatro anos de secas extremas, consideradas as
piores da história do país. Agora tem uma enchente que provocou em algumas
áreas fenômenos chamados de "tsunami interno". Brisbane, a terceira maior
cidade do país, ficou submersa. O prejuízo já se conta em bilhões de
dólares e o governo alerta que a população se prepare para o pior.

É neste contexto global de mudança do regime hidrológico que se pensa em
construir às pressas e a manu militari hidrelétricas na nossa parte da
maior floresta tropical do planeta. Belo Monte para ser construída terá
que acabar com o que é hoje chamado de a Grande Volta do rio Xingu. Vai
remover mais terra do que o necessário para fazer o Canal do Panamá. Terá
uma instabilidade já prevista de geração de energia. A capacidade
instalada será de 11 mil megawatts, na média pode ser de 4.000, se tanto.
Mas pode-se chegar a apenas mil megawatts em alguns períodos do ano. Não
estão bem dimensionados os custos fiscais, o governo estatizou o risco
econômico através das empresas, do financiamento e dos fundos de pensão.
Já os riscos ambientais não podem ser devidamente avaliados porque cada
vez que o Ibama tenta fazer isso rolam cabeças. Foi assim que aconteceu em
dezembro de 2009 com o então diretor de licenciamento Sebastião Custódio
Pires e com o coordenador de infraestrutura e energia Leonildo Tabaja.
Logo depois, em janeiro de 2010, o Ibama foi chamado à Casa Civil e
enquadrado. Que o licenciamento saísse. Publiquei aqui neste espaço no dia
17 de abril, na coluna "Ossos do Ofício", a reprodução dos documentos em
que o Ibama foi simplesmente atropelado para dar a licença prévia. Agora
querem a licença de instalação da mesma forma. A construção de Belo Monte
enfrenta oito ações do Ministério Público.

Que país é este, que mesmo diante dos alertas da Natureza de que todos os
riscos ambientais precisam ser bem avaliados porque o clima está mudando
de forma acelerada, acha que se deve soterrar as dúvidas com uma barragem
de autoritarismo? Que país é este, que acha que pode continuar ocupando o
espaço urbano sem planejamento, não corrigir os erros do passado e
contratar a repetição de tragédias? Ontem, o Bom Dia Brasil mostrou que
moradores estão voltando a morar no Morro do Bumba, em Niterói, que
desabou porque era uma favela feita sobre um lixão. Que país canta "Às
margens do Ipiranga", mas soterra o Ipiranga sobre concreto, como fez com
inúmeros outros rios, córregos, riachos? Se você mora em tal país, está na
hora de exigir que ele comece a mudar. É uma questão de tempo.

Pensem nisso...



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